Página a página, a Maria em ponto pequeno colava as suas histórias até que formassem pequenos livros. Foi desde sempre que se deixou encantar pelo universo das letras e ainda hoje guarda estas suas criações, que nem sabia tratar-se de protótipos para os verdadeiros livros que viria a lançar anos mais tarde: “a escrita foi sempre uma parte da minha vida desde que me lembro.”
Hoje, Maria Cunha e Silva é a autora de duas obras muito acarinhadas pelos portugueses e já tem a próxima na mira. Amante assídua de viagens, nasceu em Portugal, viveu uma temporada na Tailândia, reside em Inglaterra e espera agora tirar um mestrado na Grécia. “Não sei, não tenho limites,” é o que nos diz a jovem quanto a um possível futuro no seu país natal, apesar de não deixar para trás o seu público. Aluna de jornalismo e, com uma tese finalizada, o seu tempo desdobra-se entre a sua vida académica, a escrita e a sua página de instagram. Confessa que tem estado mais afastada das redes sociais no último ano, mas não as deixa para trás já que, a seu ver, “quando muito se quer, tudo se faz.”
Tudo começou com um texto no Twitter. Sem assinatura, as partilhas foram explosivas e muitas foram as sugestões para que a autora criasse uma página sua. Foi através do Instagram que Maria encontrou um lugar onde publicar as suas palavras. Relembrando uma altura em que esta plataforma tinha uma comunidade diferente da dos dias de hoje, com conteúdo mais autêntico, a jovem recorda o feedback altamente positivo no início desta sua jornada nas redes sociais. “Comecei na altura certa,” diz, assegurando que a sua coerência e consistência ao longo dos anos tornou a sua viagem mais frutífera, “tive muita dedicação desde o início.” Pretendia escrever para aqueles que sentem ser os únicos a sentir determinada emoção e acabou por escrever para milhares. Atualmente soma mais de 40 mil seguidores na sua página, mas foi quando tinha apenas 14 mil que recebeu o email que a fez subir para a 1ª classe. João, o nosso publisher, viu em Maria o potencial para algo especial e fez crescer nela uma vontade que já existia: ver publicadas as suas histórias e voar cada vez mais alto.
E o que leva uma rapariga de 16 anos a falar pela primeira sobre o amor na internet? Unir as pessoas por um sentimento em comum: “os meus textos mostram todos uma fragilidade,” a jovem escritora considera, ponderando que há um medo nos indivíduos em mostrar o que sentem. A autora escreve sobre a sua verdade: “as pessoas são frágeis e a fragilidade é uma coisa bonita, ninguém devia ter medo de mostrar os seus sentimentos.” Mas começar a escrever em tão tenra idade também teve os seus desafios. A jovem proveniente de Santarém sentia que as pessoas do seu meio encaravam os seus textos como sendo relatos pessoais das suas próprias experiências. Cairiam no engano ao pensar assim, já que a autora sublinha que, apesar da maioria dos seus textos nascerem da sua visão sobre os temas retratados, raros são os que bebem de uma experiência pessoal: “escrevo sobre um coração partido sem que o meu assim esteja.” A sua vida não é pintada pelas palavras, mas o que a rodeia inspira as suas criações, quer sejam filmes, músicas, fotografias, mensagens que partilham com ela. Questionada acerca da coragem necessária para partilhar com o mundo palavras tão íntimas, a jovem concede: “requer alguma coragem, principalmente porque publico sobre o amor e relações.” Temas esses que invocam a fragilidade que a autora pinta com cada frase.
“escrevo sobre um coração partido sem que o meu assim esteja”
A plataforma de Maria Cunha e Silva é hoje uma página marcante no mundo literário online e surge como prova do papel da internet na propagação de talento em todas as suas formas. A escritora encara o online como sendo benéfico para a sua geração, que muitas vezes não sabe que gosta de ler: “muitos jovens não têm hábitos de leitura, mas podem encontrar, assim, tipos de escrita que lhes despertam o interesse.” No que toca à sua idade, a autora diz nunca se ter sentido menosprezada pelos seus pares até porque, adiciona, “tenho muito apoio por parte da Cultura Editora e da Agência das Letras.”
Com dedicação, Maria saltou das páginas das redes sociais para as páginas dos livros que já publicou. Gratidão é o sentimento que surge quando pensa no que já alcançou aos vinte e três anos. O contraste entre as duas obras que já publicou é claro, apesar de ambas terem uma essência apaixonante e refrescante. Um Dia do Nosso Para Sempre, a sua primeira história, surgiu da vontade de escrever sobre um primeiro amor: “o primeiro amor é simples e inocente, era isso que queria mostrar através da minha escrita.” Este amor é tão grandioso que ocupa todas as páginas do seu livro, que se concentra nas emoções e nem sequer dá nome às personagens: “o livro é sobre sentimentos. Não é sobre o lugar ou a descrição, é sobre o amor.” A sua segunda obra, Encontrar-me, Encontrar-te, Encontrá-lo, veio preencher o lugar de um romance envolvente e aventureiro nas estantes dos leitores portugueses. O crescimento enquanto escritora é feito notar nesta nova história, cuja sequela está em fase de fermentação. Obras diferentes, mas cuja inspiração advém de um lugar natural para a jovem. A qualquer momento pode surgir uma ideia que a autora prontamente aponta nas notas do seu telemóvel. Cada ideia é a sua verdade, momentos espontâneos do imaginário da autora: “eu não escrevo a pensar naquilo que as pessoas gostam.”
“eu não escrevo a pensar naquilo que as pessoas gostam”
Um texto pode ser encarado de mil maneiras e muitos são aqueles que encaram os de Maria como sendo realmente transformadores. A autora recebe inúmeras mensagens de leitores que lhe aquecem o coração, desde quem declara ter ganho coragem para dizer o que realmente sente até quem reencontrou o amor passado mais de uma década: “é tudo sobre o amor, é sempre sobre o amor,” diz a jovem, com um sorriso tímido. Com o intuito de fazer com que os seus leitores não se sintam sozinhos e de forma a aproximar-se cada vez mais dos seus seguidores, a autora criou vários projetos nas redes sociais em que interage com quem a lê, como por exemplo, #ACartaQueNuncaEnviei, onde a jovem cria textos a partir de pequenas cartas que os seus seguidores escrevem para um alguém importante. “Gostava que vissem que há mais pessoas a sentir o mesmo e que acabem por tentar superar.”
Apesar de receber uma chuva de mensagens calorosas, a autora admite que em Portugal se poderia dar mais valor aos escritores e compara a sua realidade à que observa em Inglaterra, onde os livros para jovens adultos, um público importante para Maria, conseguem mais destaque, enquanto no nosso país a jovem considera que este tipo de livros não é levado realmente a sério. “Em Portugal é bastante difícil viver dos livros” observa, uma noção que já ouviu de muitos autores.
O seu futuro pode ter vários caminhos, entre a escrita e o jornalismo, mas a jovem não teme a viagem “o que tiver de ser, será. Espero chegar onde quero”. É com esta confiança calma que Maria Cunha e Silva equaciona o que está para vir, sabendo apenas por agora que pretende continuar a escrever e a unir pessoas através dos seus conteúdos. A continuação da história de Júlia, a protagonista de Encontrar-me, Encontrar-te, Encontrá-lo, está a preparar-se para descolar: “tenho de ter tempo para a Júlia, para a personagem conversar comigo.”
“Em Portugal é bastante difícil viver dos livros”
“Eu tenho muito orgulho de escrever,” diz, sem rodeios, “recebo muitas mensagens de quem quer começar a partilhar textos e fala em ter vergonha. Eu nunca tive vergonha, nem guardei só para mim. Eu escrevo, é uma coisa minha, não tenho vergonha nenhuma.” Sem vergonha alguma, ela sugere a novos autores que sejam verdadeiros com o que partilham e que aceitem o retorno do que oferecem ao mundo e que continuem. Principalmente, que continuem.
Maria já viveu em muitos lugares, já visitou inúmeros sítios e já se apaixonou por vários locais. Mas o seu destino favorito é aquele para onde a escrita a transporta. Encara este ofício como uma forma de terapia, uma forma de analisar quem somos e o que sentimos. “Sem a escrita acho que seria uma pessoa que não se conheceria tão bem como eu conheço,” afirma. Felizmente, essa não é a realidade em que vivemos. Felizmente podemos através das palavras de Maria Cunha e Silva viajar nos nossos próprios sentimentos e curar feridas mal saradas. É esse o poder de quem escreve sem vergonha, sem medo de expor o que muitos escondem. Voamos com cada palavra de Maria e a verdade é que esta autora nunca nos deixa cair.