“A minha ansiedade há de ser o meu fim”, admite.
Conhecido por muitos pelas suas palavras envolventes que infiltram as almas dos leitores e dos seus quase setenta mil seguidores, Pedro Rodrigues não finge ser o que não é. A pedra no seu sapato tem nome, nome esse que talvez seja reconhecido por muitos portugueses: ansiedade. Ansiedade de querer mais, de querer melhor, de querer agradar a todos. É uma pedra incómoda quando se torna um obstáculo para a criação livre e tranquila, para a estabilidade precária característica da vida de artista.
Escolher a arte como percurso é desafiante em qualquer parte, contudo, segundo o escritor, mais ainda o é em Portugal, um país pequeno em tamanho e, por vezes, em mentalidade. A luta dos artistas não é recente, assim como as dificuldades que passam para vincar o seu lugar no meio e para encontrar a tão desejada estabilidade. Desde as faltas de apoios à falta de reconhecimento por parte dos seus compatriotas, a vida de quem vive da arte é uma constante batalha. “É preciso muita sorte”, afirma o escritor.
Para Pedro, a luta pela arte começou cedo. Artista dos pés à cabeça, o jovem da Figueira da Foz costumava oferecer bilhetes em vez de flores: “sempre tive essa vontade de deixar as coisas escritas”. No entanto, a escrita, assim como a pintura e o desenho, foram abandonados quando, no ensino secundário, Pedro decidiu seguir a área das ciências em vez das artes. Procurava um futuro mais certo, com maiores possibilidades, mas para isso deixou de lado o que o fazia feliz e, segundo ele, atrasou o seu progresso artístico.
“Sempre tive essa vontade de deixar as coisas escritas.”
Apesar da sua decisão, no caminho para o Instituto Superior Técnico, onde estudava Engenharia Civil, o jovem recolhia as histórias de quem por ele passava. Numa pasta intitulada “Carris”, o autor apontava as pequenas amostras de vida que iam surgindo. Dono de uma capacidade de observação singular e de atenção ao detalhe, eram as pequenas coisas que despertavam o seu interesse: uma frase, um poema, uma anedota contada por uma voz envelhecida, um livro lido por uma jovem no autocarro. Tudo era uma boa desculpa para colocar lápis sobre papel. “Sempre tive essa vontade de ser artista e sempre foi uma luta pessoal”, confessa. A este debate interior, acrescentava-se a dúvida dos pais, que o imaginavam engenheiro e não artista, com todas as dificuldades que o título acarreta.
O seu regresso à verdadeira fonte da sua felicidade deu-se pelo pior dos motivos. Em 2006, o falecimento da sua avó foi o gatilho que levou Pedro de volta à escrita: “regressei à escrita quase por obrigação porque sentia que precisava de extravasar todos aqueles sentimentos nefastos que trazia cá dentro”. Ainda assim, foi a perda do avô, o seu melhor amigo, que convenceu o escritor a apostar em si mesmo. Das lágrimas surgiu uma sequência de ideias que dariam uma reviravolta à vida de Pedro: “se podemos morrer a qualquer momento, o que andamos nós aqui a fazer se não a tentarmos ser felizes? Se o que me faz feliz é escrever, porque não me dou uma oportunidade?”. Tendo prometido aos pais que terminaria o curso, o escritor fez isso mesmo e ainda se aventurou no Marketing Digital antes de se atirar de cabeça para o mundo das artes, onde surgiram oportunidades de criar traduções, letras de músicas, livros e até quadros.
“A minha criatividade tem-me salvo”, diz com um sorriso no rosto, “tenho uma capacidade muito grande de sonhar muito, estou sempre a conjeturar e a imaginar”. Talvez por isto a vida de artista valha a pena para o jovem, que já tem conseguido alcançar alguma estabilidade, sem nunca parar de explorar os seus próximos passos. “Agora sinto felicidade, ansiedade sempre, mas felicidade” é o que retira do seu trajeto.
“A minha criatividade tem-me salvo.”
Pedro é feliz ao escrever primeiro para si, mas com o intuito de chegar aos outros, já que acredita que “são os outros que fazem a arte, não somos nós”. O autor vê o objeto artístico como algo que deve ser interpretado por todos, algo que, apesar de capturar uma parte do artista, vive do olhar do observador: “nós criamos, mas é preciso que os outros façam a arte viver”. O sonho de uma vida realizou-se quando Pedro teve pela primeira vez nas mãos o seu “filho de papel”, um pedaço físico da alma do artista, agora partilhado com tantos.
O mais recente livro a ser partilhado foi Alice do Lado Errado do Espelho, uma coletânea de contos que viram as histórias clássicas do avesso, com uma boa dose de humor e encanto. O conceito surgiu de um poema de José Carlos Barros acerca da Cinderela, que plantou na mente de Pedro a semente que floresceria no primeiro confinamento. Começou por se debruçar nas epígrafes do livro, as quais chama carinhosamente de “embriões dos contos” e, de seguida, viu nascer conto atrás de conto, desde a Rapunzel ao Lobo Mau, que brotavam da sua imaginação com uma roupagem moderna. A história do Lobo, em particular, teve como inspiração o bairro social, onde não é estranha a ideia de que não se nasce bandido, mas sim pobre: “continua a haver esse estigma, os bandidos são as pessoas pobres, não há bandidos ricos. O que é absurdo porque sabemos que os maiores crimes são cometidos por pessoas com dinheiro e pelo dinheiro” comenta o autor. Este “livrinho”, como é chamado pelo escritor, veio como uma boa surpresa, apesar da ansiedade por querer agradar a gregos e troianos. O seu próximo romance surgirá, mas nos entretantos foi criado este miminho para os leitores.
O escritor, que ganhou notoriedade através do seu blog Os Filhos do Mondego e da sua página de Instagram, não nega a importância das redes sociais hoje em dia. “É inevitável que a presença online seja o futuro da escrita,” diz, sublinhando o papel destas plataformas na divulgação e publicidade do que se quer partilhar. No entanto, o autor não deixa de frisar que o número de seguidores e a qualidade do escritor ou a sua capacidade de vender não são obrigatoriamente proporcionais: “não é por eu ter sessenta mil seguidores que vou vender sessenta mil exemplares”. Muito tempo passou desde o início da sua vida artística, o que não pode ser ignorado nesta equação: “as coisas não acontecem de um momento para o outro e hoje em dia as pessoas querem o imediato”. O autor prossegue: “tudo no meio interativo é desumano, temos de criar alguma humanidade”. Essa humanidade, aos seus olhos, vem da aproximação aos leitores que a internet proporciona e a possibilidade de fidelizar as pessoas ao criar laços. Apesar da sua forte presença online, o escritor considera fulcral manter uma separação entre a sua vida online e pessoal. Embora tenha um imenso prazer em falar com os seus admiradores, é necessário criar uma barreira para que não considerem que “têm o direito de entrar nas nossas vidas”.
“É inevitável que a presença online seja o futuro da escrita.”
Prova da importância das redes sociais é a forma como Pedro conheceu João Gonçalves, da Agência das Letras, através de uma mensagem de Instagram. O autor relembra, entre risos, o que lhe veio à mente quando percebeu de quem se tratava: “espera lá que isto já é entrar na Liga dos Campeões”. Desde então que trocam bolas no mundo da escrita e fora dele, tendo criado uma relação de amizade para além da profissional.
“Cada um de nós tem o seu caminho, o meu caminho tem certas pedras que o outro não tem. O que funciona com um, pode não funcionar com outro,” esclarece o jovem escritor. No entanto, considera existir pontos fundamentais para o sucesso de um autor. Ler muito é um deles: “como queres ser autor se não lês? Queres ser oleiro e não mexes no barro?”. A leitura e a experiência de vida são elementares na vida de um autor, assim como o esforço e a garra para chegar a bom porto. Por ter já passado pelo mesmo, o autor de Deve Ser Primavera Algures recomenda que se fuja da pressa, da urgência de chegar ao sonho: “as coisas acontecem naturalmente”. “Não há uma fórmula mágica,” concede, com firmeza, assegurando que um potencial escritor deve estar preparado para as dificuldades deste ofício, para abdicar de muito e trabalhar ainda mais. Mesmo tendo já alcançado tantos sonhos, Pedro não deixa de viver na ansiedade, embora já tenha aprendido a lidar melhor com as suas pressões: “nós temos este caminho, tropeçamos em certas pedras, obstáculos há os sempre. Mas temos de continuar”.
“Não há uma fórmula mágica.”
Filho do Mondego e parente próximo da ansiedade, Pedro Rodrigues quer mais e melhor. Com o seu talento e predisposição, difícil será não o alcançar. Palavra a palavra, texto a texto, a cada passo se reafirma a paixão dos portugueses pelo que o autor tem para dizer. Hoje conta um conto, aguardamos pelo romance de um amanhã.