E se começássemos a história com o final feliz? E se tivéssemos 1001 coisas por dizer?
“O que me apaixona na escrita é o ‘e se?’. Não tem limites, só os que eu entender definir para mim.” Quem o diz é Catarina Rodrigues, que acredita que a idade adulta e os seus preconceitos conseguem afetar a imaginação fértil que outrora tivemos em criança. Um mundo de possibilidades, é isso que a escrita lhe devolve, é isso que a apaixona. “A escrita sempre foi uma fiel companheira, uma aliada em todos os momentos, os mais felizes, os mais difíceis, os momentos de maior questionamento”, observa com carinho, adicionando que a escrita, apesar de não conseguir dar todas as respostas, “ajuda a estruturar o caminho para as encontrar ou pelo menos para aceitar que não há respostas, mas há um caminho que pode ser construído”.
“O que me apaixona na escrita é o ‘e se?’. Não tem limites, só os que eu entender definir para mim.”
Consultora informática, formadora de soft-skills e “autora entre as gotas da chuva”, Catarina é a prova viva de que a força de vontade nos pode levar a um destino risonho. Numa corrida constante contra o tempo, a escritora consegue equilibrar múltiplas vidas em simultâneo, sem nunca deixar que o seu sonho passe despercebido por si.
Já com nove anos deliciava os avós com a sua criatividade explosiva, contando-lhes bonitas histórias ao serão. Histórias comuns, sobre o que conhecia e histórias longínquas, passadas na Índia ou Japão, fruto das memórias do seu próprio avô Júlio, que havia trabalhado na marinha mercante: “o primeiro conto que escrevi era sobre a amizade entre uma boneca japonesa que o meu avô tinha trazido de uma viagem ao Japão com um pessegueiro do nosso quintal”. Cada narrativa descobria a pouco e pouco o sonho de escrever. No entanto, o crescimento não pode ser evitado e com a maturidade vêm os questionamentos. Ambicionava ser escritora, mas Catarina receava que em Portugal seria difícil fazê-lo a tempo inteiro, daí que tenha seguido um caminho distinto. Em busca de uma carreira mais estável, mergulhou no mundo da engenharia química e informática, embora nunca tenha esquecido o objetivo de investir na escrita no momento certo. Hoje, com um livro já publicado, esclarece a sua vontade de conseguir um dia ser somente o que sempre quis, autora em todas as estações, ou pelo menos encontrar mais flexibilidade entre profissões.
O processo de composição do seu primeiro livro foi, para pouco dizer, complexo. Durante o dia, trabalhava. Durante a noite, estudava para o mestrado. E quando é que escrevia? Durante as pausas de almoço, nas viagens de transportes públicos, nas horas vagas entre o mestrado e a madrugada. Onde o tempo não existia, era inventado. A jovem autora de nada se arrepende: “foi uma decisão que eu tomei, foi um ano muito intenso, com muito poucas horas dormidas, mas foi também um ano muito feliz e foi assim que nasceu o meu primeiro livro”. É com naturalidade que pondera que, por vezes, o excesso de tempo pode conduzir a uma menor vontade, sendo da opinião que “é preciso haver alguma dureza, alguma escolha, algum preço a pagar, digamos, para nascer uma grande história”.
Corre contra o tempo, mas não o toma como inimigo: “é algo que eu consigo contornar”. Na realidade, o maior obstáculo com o qual se deparou na sua jornada foi o marketing editorial. Embora soubesse que era algo importante para um autor, não tinha conhecimento em como promover e divulgar uma obra, preferindo delegar essa responsabilidade a outrem. Atualmente, assume uma perspetiva diferente, confessando que antes, “com alguma arrogância, menosprezava um bocadinho” este tipo de funções, as quais hoje identifica como sendo das áreas de maior importância para o investimento do próprio autor, rematando: “o digital é o futuro”.
Foi com esta disposição para continuar a aprender que Catarina experimentou vários cursos e workshops e foi num deles que surgiu o nome do João Gonçalves, o nosso publisher, enquanto um grande nome da edição em Portugal e fundador da Agência das Letras. A sede por mais compreender sobre a indústria onde queria brotar levou a que a jovem da Malveira tomasse a decisão de experienciar o nosso curso de mentoria, onde trabalhou com o João de modo a construir um plano de comunicação que a fizesse chegar até aos leitores. Reconhecendo o que era até então desconhecido, Catarina foi capaz de criar o seu plano de ação, com a direção de quem mais sabe.
Todo este processo deu os seus frutos e a autora não permitiu que o tempo a ultrapassasse. O que a ocupa presentemente é um projeto que foge ao que considera ser o seu habitual. Embora o seu editor tenha sugerido um caminho editorial, a pandemia despertou na escritora uma vontade insaciável de reinventar textos que havia escrito na juventude: “para mim é o que faz sentido escrever agora”, admite sem restrições.
Noutros tempos, o que mais sentido fez foi enviar o seu original “1001 Coisas que Nunca te Disse” para uma editora e dar início ao processo de cultivar a sua aguardada história. “Adorei trabalhar porque não estava sozinha. Geralmente o processo de escrita é um processo um bocadinho solitário e eu adorei ter a visão de outras pessoas”, afirma com um sorriso aberto. Para a autora, até os momentos de negociação proporcionaram prazer, até porque pretendia confiar na intuição dos que a apoiavam, até mesmo em momentos em que era necessário proceder ao temido corte de excertos adorados por quem escreve, concluindo que “se não faz sentido, vamos cortar sem medo, sem dor”. Receber nas mãos a sua obra foi, segundo a escritora, indiscritível: “vê-lo vivo, vê-lo palpável, foi das melhores sensações do mundo”.
“o processo de escrita é um processo um bocadinho solitário”
Pior que cortar, é talvez enfrentar a vulnerabilidade de ouvir o que os outros têm a dizer sobre o que é nosso. Guarda no coração as críticas bonitas, guarda na mente as que forem pertinentes para o futuro, mas admite que filtra as que não interessam. A primeira crítica que passa para ofensas pessoais é um “murro no estômago”, concede, acrescentando, “quando são pertinentes, vale a pena ouvir e refletir, o resto mais vale deitar fora se não traz nada de bom”.
“Um autor tem que ter humildade” oferece com convicção. E, tendo em conta o mercado editorial português, a perseverança é fulcral para o caminho de um autor. Embora a opinião dos nossos seja valiosa, é importante procurar uma crítica profissional e ter a humildade de crescer com ela. Determinada a prosseguir com as suas aprendizagens, a autora sublinha que “ser escritor é uma saga que não acaba, é um trabalho contínuo.” É esse o conselho que deixa a quem partilha o seu sonho: humildade e perseverança, para que o fruto do trabalho nasça desta combinação.
“Ser escritor é uma saga que não acaba, é um trabalho contínuo.”
Não descurando as técnicas e processos de criação, Catarina confia que tudo isso surge organicamente. “Acho que se faz criando”, considera em voz alta, acrescentando que a escrita é, para ela, uma experiência sensorial, que nasce das nossas experiências e do nosso quotidiano. Ler o jornal, beber um café, uma conversa paralela, um passeio despreocupado, tudo isto constituem possíveis inspirações que estimulam o processo criativo da autora. “Não existe uma musa inspiradora que nos visita quando os astros estão alinhados”, afirma com segurança, defendendo que é a viver que se escreve e a escrever que se vive.
Foi sempre essa a sua maior motivação: “escrever as histórias da gente”. Histórias que retratassem vidas reais, de pessoas reais com que todos nos possamos identificar, “apesar de termos vidas diferentes, interesses diferentes, partilhamos todos um pouco a mesma narrativa pelas nossas experiências de vida”. Foi com esta visão que sempre pretendeu escrever de modo a que o que tinha para contar fosse acessível a qualquer pessoa, traduzindo-se a sua escrita, desta forma, num fluxo simples capaz de fazer refletir qualquer um.
“A minha maior motivação é escrever as histórias da gente.”
Entre Bruxelas e a Malveira, a escrita não se perde pelo caminho por mais que sejam as viagens feitas por Catarina. O seu final feliz não ficou para trás e é atualizado com cada vitória por parte da jovem. De momento, o sonho é escrever independentemente da estação, mas, por enquanto, a autora continuará a encantar com as suas palavras, escritas entre as gotas da chuva.
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