Foi entre as estantes de uma biblioteca itinerante que tudo começou. Habituado pela mãe desde pequeno, a leitura sempre acompanhou Nuno, mesmo quando a biblioteca estava apenas de passagem. A pouco e pouco, a curiosidade foi brotando e com ela surgiu a questão: como seria ter o poder de criar a sua própria história? Foi desde a adolescência que surgiu a vontade de tocar no imaginário das pessoas, de criar dentro delas imagens e despertar emoções.
Hoje em dia conhecido pela sua aclamada série Afonso Catalão, Nuno Nepomuceno confessa que ser autor nunca foi um sonho, mas sim um objetivo: “eu queria e quero ainda chegar mais longe do que o que estou atualmente”. Entre mudanças de editora e hiatos indefinidos por falta de interesse por parte das entidades de publicação, Nuno já conta oito anos de carreira e compara o ultrapassar destes percalços a um twist num dos seus livros, estando agora numa fase de clara ascensão.
Uma ascensão que não nasceu de rompante e que implica um esforço intenso por parte do autor que mantem a sua profissão enquanto controlador de tráfego aéreo: “não é fácil, eu tenho que ser bastante metódico e bastante organizado e não posso permitir entregar-me a preguiças e falta de motivação”. É a capacidade de escutar os sinais do seu corpo que o fazem superar fases mais complicadas em que o desenvolvimento do projeto não é tão manso. A seu ver, a organização é crucial para conseguir conciliar as duas profissões exigentes que assumiu com o compromisso e consciência de que seria necessário um grande esforço e dedicação para levar as duas a bom porto. Apesar deste equilíbrio que mantem de forma exímia, o autor não descarta a possibilidade de se concentrar somente na escrita, embora considere que teria que somar outras atividades criativas ligadas à edição ou produção de conteúdos, de modo a sentir-se saciado.
"Não posso permitir entregar-me a preguiças e falta de motivação."
O escritor sacia a sua criatividade através de todos os sentidos, principalmente o visual e auditivo, afirmando que o seu processo criativo é muitas vezes espoletado por imagens ou trechos sonoros. Encontramos um exemplo disso mesmo no segundo livro da trilogia Freelancer, A Espia do Oriente, cuja ideia surgiu de uma fotografia de uma ponte envolta em nevoeiro, presente na capa de uma revista de viagens. Foi nessa ponte que Nuno visualizou de imediato um encontro entre duas personagens repleto de mentiras, segredos e tensão. “Eu visualizo frequentemente aquilo que estou a escrever”, comenta o autor, que consegue imaginar com clareza os cenários e os diálogos de tal forma que, à medida que o enredo vai progredindo, “as personagens começam quase que a falar sozinhas dentro do livro”, vendo florescer conversações de forma tão natural que parece que as personagens se tornam reais e quase vivem lado a lado com o escritor.
O autor, que nos últimos anos tem publicado uma obra anualmente, afirma que a inspiração que alimenta esse ritmo de produção é proveniente de diversas fontes. A Célula Adormecida, que inicialmente seria acerca de tensões sociais, foi influenciada pelos movimentos migratórios que chegavam à Europa na altura da conceção do livro, levando a que o mesmo se focasse na temática do terrorismo. Enquanto A Morte do Papa resultou de um intenso processo de pesquisa, onde a procura por um mistério relacionado com a religião católica levou a que Nuno se debruçasse sobre os acontecimentos que envolviam a morte de João Paulo I, a ideia por detrás de A Última Ceia nasceu espontaneamente, sendo essa uma das razões pelas quais esta última é a obra de eleição do criador da série Afonso Catalão. “Eu de repente tinha o livro todo pensado”, faz notar, com entusiasmo.
Um dos pontos que une esta série é a presença de elementos religiosos, em algumas obras de forma mais proeminente do que noutras. No entanto, a invocação deste tema faz com que seja necessária uma certa dose de coragem por parte do autor, que enfrenta críticas daqueles que assumem que tem algo de ofensivo a dizer sobre a religião antes sequer de o livro se encontrar disponibilizado ao público. Críticas essas que muitas vezes se transformam em ataques pessoais ao seu próprio carácter, algo que tenta ignorar insistentemente: “estão a fazer presunções”. Esta forma de lidar com situações mais desagradáveis deve-se a uma maturidade que foi crescendo com o tempo e que também foi a causa por detrás da sua transição de uma escrita de thrillers de ação para thrillers psicológicos. “Eu queria chegar a um público mais vasto”, afirma confiante, adicionando que esse desejo aliado a um crescimento pessoal e profissional levou a que fizesse sentido transitar entre géneros aquando da sua passagem para esta nova coleção literária.
Uma transição que se mostrou frutífera, uma vez que Nuno soma cada vez mais marcos de carreira, encontrando-se num trajeto extremamente positivo. Embora considere que esta curva ascendente não pode durar para sempre, o escritor de thrillers sente-se realizado, vendo pequenos objetivos a serem cumpridos e encontrando cada vez mais metas para superar. Uma delas seria continuar com esta série que popularizou a sua escrita sem que os leitores se cansassem do enredo, das personagens ou, até mesmo, de si. “Acho que é uma série que ainda tem muito mais para dar”, concede com otimismo latente na voz. Sonha ainda conseguir ver um dos seus livros adaptados para o pequeno ou grande ecrã e ainda ter uma carreira internacional, algo em que a Agência das Letras se tem focado. Um dos objetivos que ficou pelo caminho e será agora repescado é a reedição da sua trilogia Freelancer através da Cultura Editora, algo que deverá ser esperado para breve.
"Acho que é uma série que ainda tem muito mais para dar."
O seu lançamento mais eminente é o aguardado O Cardeal, uma obra que nasceu de A Morte do Papa, mas asas próprias ganhou. O enredo baseia-se nos mistérios que envolvem a família Emanuel, que embora em A Morte do Papa tivesse um papel secundário, surge neste novo texto como protagonista, ao lado de Afonso e Diana. Na verdade, o autor sugere que aquilo que surpreenderá mais os leitores será a dimensão psicológica dos irmãos Adam e Lizzie que será explorada de uma forma voraz neste livro. Também o título da obra será motivo de questionamento por parte dos mais curiosos, já que o escritor adianta que o seu significado não é tão obvio como aparenta a uma primeira vista. Para além dos twists e momentos de grande intensidade, sendo que pela primeira vez Nuno colocou uma reviravolta a meio caminho da história, um dos grandes trunfos da ação é a própria cidade de Cambridge e o seu rio Cam, que assumem um estatuto de quase personagem, à semelhança da cultura árabe em A Célula Adormecida. “As pessoas vão sentir prazer em estar aconchegadas com o livro porque é um livro com uma onda muito literária, com personagens que gostam de livros, para pessoas que gostam de livros”, comenta com um sorriso animado, entusiasmado para que os leitores tenham finalmente a oportunidade de experienciar o que para eles preparou.
Com uma obra que já alcança marcos significativos em pré-lançamento, o autor mantém-se humilde e sereno e confessa que a vida de escritor não é fácil. Com muito esforço e paciência, Nuno vai conquistando terreno como se para tal tivesse nascido e aconselha jovens autores a pensarem bem no que querem do seu sonho, para que estejam preparados para um grande volume de trabalho e de frustrações. “Sejam rigorosos com o trabalho que desenvolvem”, afirma calmamente, “não desistam e continuem a trabalhar e a acreditar no valor que têm”.
Desde a pequena biblioteca itinerante até ao apreço dos seus leais leitores, foi Nuno que viajou pela alma de tantos portugueses através das suas palavras. Prova viva de que também há reviravoltas na vida real, o caminho do escritor demonstra que a determinação pode concretizar o mais profundo dos objetivos, passando por cima de todas as pedras soltas da calçada. Da reedição da sua trilogia original à continuação da série Afonso Catalão, o autor nunca desaponta, oferecendo-nos continuamente grandes momentos de emoção.